A grande perda

Pra não perder o costume deixo uma música pra embalar a leitura.

Você é a minha primeira lembrança, depois de cinco anos sem ter nada para escrever que ironia, maldade, ou o que seja, que me fez ter vontade de escrever de novo, ter palavras fluindo que precisam ser escritas. Escreve sobre você, você que sempre foi certeza, a rocha sólida que eu me firmava pra viver, que me possibilitou poder escrever sobre amores, sobre aventuras, porque eu podia fazer tudo isso, pois tinha você, a minha certeza, minha fortaleza, minha mãe! Depois de tudo que aconteceu, agora quando fecho os olhos e lembro do teu lindo sorriso, essa lembrança vem acompanhada de dor, acompanha de desespero, como assim depois de 27 anos vivendo todo momento da minha vida com você, agora pra poder lembrar de você tenho que buscar na memória? Não posso mais te ligar ou mandar mensagem, mãe que saudade de você, esse texto provavelmente vai ser completamente desconexo, mas não tem como elaborar uma escrita se tudo que sinto é saudade e dor.

Escrevo esse texto faltando 10 dias para fazer dois meses que te perdi, eu sei que te perdi antes disso, mas a “burocracia” da perda vai ser sempre marcada por essa data. Daqui a dois dias faz também o aniversário de um ano daquele fatídico dia em que eu perdi a fome, perdi a voz, olhando um laudo médico, laudo esse que me fez perder o chão, me tirou toda certeza e segurança de uma vida inteira.

Me lembro de estar com você sentada no sofá da sala comendo um X do Baita, coisa que adorávamos fazer, e assistindo um programa qualquer na TV, nunca vou me esquecer disso, daquele momento antes da tempestade, quando tudo é calmaria, isso me faz pensar como tudo na vida da gente é passível de mudança em um milésimo de segundo, entre o curto intervalo da mordida de uma comida gostosa e o ler “implantes secundários neoplásicos”.

Sim foi isso que li, em poucas palavras câncer. Lembro de no mesmo instante que terminei de ler “neoplásico” meu estômago virou, minha vida mudou, simples assim, não tinha como voltar atrás, não tinha como desler, que saudades mãe! Que saudades de só sentar, e não ter dor, não ter medo , não ter incerteza, não ter câncer, só sentar e comer uma comida gostosa e ver irmãos a obra, a gente adorava todo e qualquer programa que tivesse qualquer tipo de reforma, a gente adorava criticar o projeto de quem tinha anos de experiência no ramo, porque na nossa cabeça nossas milhares de horas assistidas nós davam aval pra isso, que saudades mãe!

Acho que agora achei o contexto desse texto, saudades, saudades da mulher mais forte e guerreira que conheci, da mulher mais linda, porque você era linda mãe, uma beleza que por mais que você tentasse esconder saltava aos olhos de quem te olhasse, saudades da mulher que lutou por mim desde o meu primeiro fôlego de vida, saudades da pessoa que eu mais amei na vida, saudades do meu sinônimo de família!

Tá difícil pensar que agora tenho que seguir sozinha, sem teu braço pra deitar quando tiver medo, ou quando acordar desesperada de um pesadelo.

Meu lado racional sabe que foi melhor, afinal você não merecia, acho que nenhum paciente diagnosticado com essa doença merece, mas você era minha mãe, só posso pensar por nós, e você realmente não merecia.

Não mereceu a dor que sentiu, a agonia e o medo, não mereceu perder teu cabelo, perder o viço da tua pele linda, não mereceu nada que sentiu, eu não merecia também. Não merecia ver meu exemplo de vida e ser humano definhar na minha frente, não merecia chegar ao ponto de me acostumar a ver teu sofrimento, a aprender a viver com esse novo normal que a vida nos impunha.

Que saudades mãe!

Recapitulando aqui, esse texto não é sobre o câncer, sobre essa doença terrível que me tirou tudo que eu tinha de mais precioso e de certo na vida. Esse texto é sobre você, sobre nós, sobre a saudade que eu sinto de você. Saudade que eu achava que iria amenizar com o passar dos dias e horas, com o passar dos meses, doce ilusão, ela só tem aumentado, só aumenta o desespero de agora pra poder te ver tenho que olhar uma foto, olhar é modo de dizer, porque eu não consigo olhar, dói!

Dói muito ver uma das últimas fotos que tirei de você e ver teu sorriso lindo marcado pelos sinais da dor que você sentia por trás dele, dói mãezinha, que dor que se alastra e se espalha e deixa tudo seco e sem vida por onde toca, estou me referindo ao meu corpo e alma, que saudades de você!

Sei que você tá bem, sei que você agora pode dançar e girar, cantar e gritar, rir e chorar, sem dor, sei que você está num lugar melhor, sei que agora você pode respirar aliviada, pode conversar pessoalmente com Deus, tudo que te impedia ficou aqui.

Porém, mesmo sabendo disso tudo meu lado egoísta, talvez por ser filha única, como alguns dizem, só queria ter você aqui. Ter você aqui pra eu me sentir completa, pra quando eu fechasse os olhos eu tivesse a certeza de que meu mundo está completo, você, eu, Bruno, Benhur e Whalter. Nossa pequena grande família! Que saudades de você mãe!

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